sábado, 8 de novembro de 2014

O TESOURO DE ARNE de Mauritz Stiller - 08.11.2014 - 15h30


Elsalill só sobrevive ao massacre para recordar a casa das mortes e, bem contra o que queria, cumprir a maldição que ela própria formula. Nas suas muitas perguntas a Sir Archie, ela só quer saber o que já sabe. Que a morte toma conta de tudo, e que o amor, como os olhares e as palavras, mais não faz que a devolver. Tudo se passa entre os rostos (voltamos sempre aos grandes planos), entre o medo e o espanto de tão grande destruição e de tão grande harmonia. Enquanto os cavalos se afundam na neve, e os espaços cada vez mais se comprimem, Elsalill e Sir Archie vão-se confundindo um no outro (“foi Deus que te trouxe”) sob o signo do “navio fantasma” onde, finalmente, o seu destino se cumpre. Alternativamente, é Sir Archie (a mão no ombro) ou é Elsalill (a transparência da “aparição”, a denúncia, o corpo como “écran”) quem leva ao outro esse “maior peso”, sem qual não pode haver o degelo ou a comunicação final. Alternativamente (os campos-contra-campos) vão-se olhando com o olhar da morte. E deixa de fazer sentido separar (falando de transparências e sobre-impressões) o que pertence a um só e comum reino. Os sonhos, como a realidade, só carregam o sinal do que há por haver.

Por isso, uma das sequências mais poderosas deste filme, é aquela em que Elsalill, levada pela mulher de Torarin, narra para os assassinos o que eles tão bem como nós e ela conhecem. Como nos grandes “raccontos” do drama lírico, há uma fixação no momento que escapa a qualquer tentativa de explicação e que vem trazer a luz inteiramente diferente à cena já antes vista. Já tudo pertence à magia.

Magia. Será dizer de mais que este é um dos grandes filmes mágicos da história do cinema? Ou qual é a ordem do belo em "O Tesouro de Arne?”

João Bénard da Costa

in Folhas da Cinemateca