sábado, 2 de novembro de 2013

GESTOS E FRAGMENTOS de Alberto Seixas Santos - 08.11.2013 - 22h00


(...) Na origem "Intelorância", "Les Demoiselles d'Avignon", Ozu. Um só tema como cimento do heterogéneo, da manipulação do ponto de vista, o cubo como figura privilegiada da representação do espaço.
Outra coisa: escolher uma estratégia da negação, da confrontação entre níveis diversos, formas diferentes do dizer. Os escolhos, a aridez da leitura que interrompe, que bloqueia o "natural" da palavra espontânea, incorporação da palavra recitada no filme, como uma reacção, aparecimento do actor, nascimento da ficção. Procurar o momento de inflexão em que o documentário muda insidiosamente de estatuto, ver como a presença da câmara - máquina indiferente - nos descobre uma segunda, uma outra (talvez primeira) natureza.
E isto ainda, o essencial: perverter as regras da soma pura, fazer do filme um conjunto de destruição.

Alberto Seixas Santos
in Alberto Seixas Santos
Ed. ABC Cine-Clube de Lisboa 2006

Tinha acabado precisamente a rodagem de Guns e ainda não tinha começado a montagem.
O Alberto disse-me para ir ter com ele a Lisboa e trabalharmos, juntos, nos textos para a minha personagem. Eram o tempo e o lugar certos. Nesta personagem ficcional do "jornalista no quarto" há, inevitavelmente, algum do material de Guns, e vestígios do desejo selvagem que estão na base das "cenas de luta de classes em Portugal". (...)
Em Guns o jornalista vagueia na tentativa de chegar ao âmago de "uma história".
Aqui, o jornalista permanece imóvel como uma aranha, tentando captar "fragmentos de real" na teia que o circunda. Mas a situação é a mesma. É a mesma para vocês e para mim, sentados a toda a hora diante do nosso jornal ou dos noticiários da TV. Como é possível dizermos "estás a perceber?". Mesmo que houvesse uma "história" poderíamos dizer a nós próprios que tínhamos atingido o âmago da mesma ou que havia propriamente "um âmago"? (...)
"O General na sua casa", "o intelectual na sua torre de marfim", "o jornalista no seu quarto": há um rigor no filme do Alberto, essas três vozes interrompem-se serenamente, silenciosamente. Eles são eles mesmos e são também actores. Mexem os lábios, as palavras brotam, falam para nós ! Mas nós ouvinos o silêncio dos seus pensamentos.
Lembram-se do que viveram (ou o que viram terá sido um filme? Uma fotografia, porventura?) e o único instrumento de que se dispõem para tentar compreender tudo isso é perceber no que se tornaram. (...)
Robert Kramer
Paris, 22 de Agosto de 1982
(arquivos de R.Kramer)
in Alberto Seixas Santos
Ed. ABC Cine-Clube de Lisboa 2006