sábado, 2 de novembro de 2013

DEAR DOC de Robert Kramer - 08.11.2013 - 22h00


(...) "A verdadeira história em Route One é que não importa o que pensássemos que estávamos a fazer, o que realmente estávamos a fazer era viver a verdadeira aventura, não de Doc e de Robert, mas de Robert e de Paul, uma espécie de história de amor entre homens, algo que remontava a um passado em que tínhamos sido os dois militantes e em que tinhamos encontrado um objectivo nesta experiência de fazer dois filmes juntos. Os filmes, para além das histórias que contavam, eram a história não contada de nossa relação. Tudo isso podia ser visto, escrito e experimentado de uma forma completamente diferente. Comecei a tropeçar numa coisa: vou dizer o que quero sobre a nossa relação, em que o verdadeiro material - todas as pessoas que encontramos em Route One e os artífices de Doc's Kingdom - vão estar no arrière-plan e o primeiro plano vão ser todas aquelas intermináveis conversas que tivemos durante a rodagem dos filmes, que tiveram implicações em todos os aspectos das nossas vidas. Também estava incrivelmente frustrado por ter passado nove meses a dizer, "Vamos ter de cortar isso porque só podemos ter quatro horas". Já estávamos uma hora para lá do limite, que eram três. Queria montar de outra maneira. Acabamos por decidir que o Guy Lecorne, o montador, devia ir-se embora por uns tempos e talvez voltar no fim, mas eu queria viver na sala de montagem de uma forma que nunca me tinha permitido fazer. Sempre tive este receio - a síndroma Jonas Mekas. Pensei nisso muitas vezes ao ver o filme dele em Locarno. A síndroma Jonas Mekas é abraçar totalmente a minha subjectividade. Essas invectivas assumiram diversas formas. A forma de um certo tipo de correcção política, de um certo tipo de responsabilidade social, o princípio da comunicabilidade, em se falar com alguém e não apenas connosco mesmos. Qualquer que fosse a forma que tomassem, tinham que ver com a relação muito complicada entre esconder e não esconder, sinceridade e artifício, charlatanismo e xamanismo. A honestidade engendra mais honestidade, e mais sentido de desonestidade. É assim que somos feitos e isso é óptimo. A ideia de que vou chegar ao âmago da questão, de que vou dizer tudo. Que vou mostrar tudo, por uma vez. E depois há todas as formas pelas quais nem sequer mostramos o que pensámos que íamos mostrar. 
Queria muito ir para outro nível. Queria fazé-lo trabalhando sem parar. Também podemos chamar a isto a síndroma Chris Marker. Ia emergir-me completamente nesta coisa. Não ia atender o telefone, não ia para casa, ia ver o que acontecia. O que aconteceu foi Dear Doc."
Robert Kramer

in Points de départ - Entretien avec Robert Kramer
de Bernard Eisenschitz,
Ed. Institut de l'Image - 1997
retomado in Robert Kramer
catálogo da Cinemateca Portuguesa - 2000