segunda-feira, 5 de novembro de 2012

SIDDESHVARI de Mani Kaul - 13.11.2012 - 21h30


Este filme extremamente ambicioso, ao mesmo tempo sedutor e hermético, retraça a vida de Siddeshwari Devi (1903-77), considerada a maior representante no século  do género musical clássico thumri. (...) À medida que o filme progride, a presença de Siddeshwari torna-se cada vez mais intangível: a atriz que a representa desaparece subtilmente do écran, vemos imagens documentais da cantora, já idosa, num écran de televisão e no fim perdura apenas a sua voz, a sua essência, aquilo que não tem imagem, o som, a música.
Este fecho inscreve-se na lógica de um filme elaboradíssimo que "celebra a transfiguração da vida em música". A música é a própria matéria de um filme cujo desenrolar é "musical", na medida em que não segue as regras da causalidade, na medida em que tece um fluxo contínuo e em que capta a essência do tempo, pois a música é a arte do tempo. Mani Kaul deixa de lado dois aspectos centrais do cinema convencional: a estrutura narrativa tradicional e os diálogos directos. Como observou Partha Chatterjee num artigo significativamente intitulado "Uma Questão de Artesanato", Mani Kaul assumiu posições estéticas "diametralmente opostas ao estilo predominante, que é favorecido pelo grande público": importância relativamente menor do texto escrito e da causalidade, recusa da empostação dramática dos atores em favor de uma dicção lenta, densidade de uma banda sonora não-naturalista, uso "orgânico e eloquente da cor, ao invés de simbólico ou decorativo". Cada componente técnico é extremamente pensado, não apenas por perfeccionismo mas também porque Mani Kaul considera cada um dos seus filmes como uma reflexão sobre o próprio cinema. Tudo isto é atingido com serena maturidade em Siddeshwari, que é a obra de um cineasta que sabe e não de um cineasta que busca.  (...)
Antonio Rodrigues
in "Folhas da Cinemateca"