sexta-feira, 26 de setembro de 2003

DIEU SAIT QUOI de Jean-Daniel Pollet - 05.10.2003


(...) Não basta olhar de caras – “objectivamente” – uma coisa para apreender a sua verdade: ilusão da ciência que, pelo contrário, há que combater. É preciso fazer obra de arte, ou seja, em cinema, encontrar a imagem (visual ou sonora) que, sem perturbar a coisa, permita que a sua presença se manifeste. Encontrar a boa distância, o movimento correcto, a duração adequada: restituir na imagem a beleza da coisa. Fazer com que a imagem retorne, insistir. Levar a imagem e a coisa à maior intimidade para que a imagem não tenha outra beleza que não seja a que emana da coisa.
Ponge chamava a arte literária “em socorro do homem que já não sabe dançar, que já não conhece o segredo dos gestos e que já não tem a coragem nem a ciência da expressão directa pelos movimentos”. Pollet ensina de novo cada um de nós, espectadores de Dieu sait quoi e da sua coreografia recolhida e sensual, a dançar.(...)
Cyril Neyrat
O Olhar de Ulisses IV - Porto 2001
Resistência
in catálogo Temps d'Images 2003

CONVERSA ACABADA de João Botelho - 05.10.2003

quinta-feira, 25 de setembro de 2003

SICILIA! de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet - 02.10.2003


(...) Straub e Huillet reflectiram profundamente sobre uma certa essência do cinema e é isto que explica a densidade daquilo que fazem: nos seus filmes, é enorme o peso de cada plano, cada imagem, cada som, sempre levados a um ponto de incandescência. E esta incandescência vem do facto deste ser um cinema literalmente materialista, preso ao que faz a matéria do cinema, radical e extrema: o que é um som, uma imagem, a luz, uma palavra, o que é um plano, um corte, um cenário, uma intervenção musical, o tempo cinematográfico. Em Sicilia!, as características deste cinema estão já depuradas, em todo o caso são menos árduas ou peremptórias do que em alguns filmes realizados por eles no passado, mas não são menos tensas e intensas. Fala em Sicilia! aquela “verdadeira violência” que Jean-André Fieschi, num texto antigo e já clássico, viu neste cinema.(...)
Antonio Rodrigues
O Olhar de Ulisses IV - Porto 2001
Resistência
in catálogo Temps d'Images 2003

OÚ GÎT VOTRE SOURIRE ENFOUI? (Onde jaz o teu sorriso?) de Pedro Costa - 02.10.2003


(...) Logo de início, naquela caverna, Pedro Costa tomou o seu lugar para filmar, nem de muito perto nem de muito longe, o casal que examina, incessantemente, as mesmas rushes, apurando nesse contacto as suas ideias sobre o cinema. E ele não se afastará dali porque este dispositivo permite-lhe captar do mesmo modo tanto os gestos do trabalho como a matéria (a imagem no monitor) que tem de ser trabalhada. Há que dizer uma palavra sobre este dispositivo: a câmara – e, portanto, o espectador – tem, no seu campo de visão, a mesa diante da qual trabalha Danièle Huillet. O monitor onde passa, bloco após bloco, Sicilia! está no centro do écran. À direita, há uma porta aberta que dá para um corredor dos laboratórios que bem podia ser o passadiço de um navio. São as duas únicas fontes de luz e, para o fim do filme, quando, com todas as luzes finalmente acesas, o monitor retoma a sua luminosidade branca e leitosa e a porta se abre simplesmente para um corredor pálido, ficamos surpreendidos com a banalidade do lugar.(...)
Émile Breton
L’Humanité, 15 de Janeiro de 2003.
in catálogo Temps d'Images 2003

JLG/JLG - AUTOPORTRAIT DE DÉCEMBRE de Jean-Luc Godard - 02.10.2003


(...) Godard passa todo o filme a lembrar-nos “o que é o cinema”: imagens, sons, cores, música, ideias. “Numa palavra”, como se dizia em Pierrot Le Fou, “emoções”. JLG/JLG é simultaneamente um requiem e um canto de esperança, como se partisse da convicção de que se a “entidade-cinema” morreu, aquilo que é da ordem do cinema continua vivo e em permanente renascimento. Neste sentido, JLG/JLG é um filme exemplar na demonstração dessa vitalidade esquecida: exaltante na maneira como manipula as formas cinematográficas, como consegue criar “emoções” a partir da simples articulação de um plano com o som e com a música. Filme de síntese, JLG/JLG podia acabar com uma legenda a dizer: “o cinema é isto”. Ou seja, este breve murmúrio que de tempos a tempos nos vem sacudir e virar do avesso, com a violência de todas as paixões. Johnny Guitar, À Beira do Mar Azul ou... JLG/JLG.
Luís Miguel Oliveira
Folhas da Cinemateca
in catálogo Temps d'Images 2003

quarta-feira, 24 de setembro de 2003

L'AUTOMNE de Marcel Hanoun - 03.09.2003

Sentados na mesa de montagem, um cineasta e a montadora observam sobre o pequeno écran a película que estão a montar. Hanoun joga com a passagem do preto e branco à cor, com as relações som-imagem e sobretudo com o corte realizador/ espectador. Todos os filmes assentam na invisibilidade do realizador e do espectador um pelo outro. Passamos aqui, pelo contrário, uma hora e meia a olhar um cineasta que nos olha a nós.

WE CAN'T GO HOME AGAIN de Nicholas Ray - 03.10.2003


(...) Do seu exílio, do seu refúgio, no início dos anos setenta, é o único cineasta da sua geração a dar testemunho in vivo daquilo que os jovens e o cinema se estão a tornar. E não porque, à falta de melhor, se tivesse dedicado tardiamente a alguma “experiência”, mas porque faz parte daqueles cineastas que não podem ser senão contemporâneos. Daí que Godard o amasse tanto. Daí que, na nossa imaginação, Ray não envelhecesse, tal qual como o cinema. We Can’t Go Home Again é, simplesmente, um outro filme de Ray datado de 1973. Mais um filme sobre a juventude, a do pós-68, generosa e fala-barato, drogada e pragmática, violenta e sentimental. Mais um filme sobre a educação, o grande tema de Ray, desta vez com o cineasta em cena, representando aquilo que é: um nome, uma glória passada, um professor de cinema que, nos seus tempos, fez Rebel without a Cause. Mais um filme sobre os pais que o não são, que fazem negaças ao édipo, que encenam a própria morte, que apertam nós que não se poderão nunca mais cortar. Ray, cineasta górdio: no fim do filme, enforca-se diante dos alunos aterrados, de noite, numa garagem. A voz off do enforcado murmura a um jovem algo como: “Take care of each other”. Como não pensar então em They Live by Night? Mais um filme sobre a impossibilidade do retorno, sobre a fuga para a frente, sobre a falta de um lar. Porque o filme é único: nele, um cineasta desintegra e recompõe aquilo que era a própria matéria do seu filme… O écran está povoado de imagens mais pequenas que vibram, coexistem, misturam-se. Gritos e confissões flutuam sobre um fundo negro mas este fundo negro é, por vezes, a sombra de uma casa, com um telhado, tal como as crianças as desenham. Já não uma casa para personagens mas, sim, uma casa para as imagens “que já não têm casa”: o cinema. Já não podemos voltar para casa… (...) 
Serge Daney
Cahiers du Cinéma, nº310, Abril 1980
in catálogo Temps d'Images 2003

THE CONNECTION de Shirley Clarke - 04.10.2003


(...) É necessário fazer aqui uma sinopse do filme. É impossível fazê-la. Porque poderíamos dizer: é um filme sobre um realizador de documentários, Jim Dunn, que paga a droga a um grupo de jazz de New York para que o grupo se deixe filmar. E se disséssemos, em vez disso, que se trata de um filme sobre um grupo de jazz que, pelo contrário, se deixaria “vender” por sentir o abismo da câmara, a tentação de se tornar espectáculo? Trata-se de voyeurismo do realizador e do cameraman, que penetram numa realidade estranha, ou de exposição desesperada de um grupo de músicos drogados capazes de subjugar, sugar o olhar alheio? Enfim, como resumir este filme sem estabelecer imediatamente um eixo, uma preferência focal – quando o mesmo filme desmonta as ideias de documentário, teatro, realização, quando nunca se pode dizer com certeza se o realizador controla ou é controlado pelos músicos, quando filmar e participar se fundem? (...)
Pedro Eiras
A Utopia do Real
O Olhar de Ulisses III
2001-Porto
in catálogo Temps d'Images 2003

terça-feira, 23 de setembro de 2003

PARADE de Jacques Tati - 03.10.2003

NOTES ON THE CIRCUS de Jonas Mekas - 03.10.2003

BORIETS I KLOOUN (O Lutador e o Palhaço) de Boris Barnet - 05.10.2003


O ponto de partida é uma série de episódios que interligam as vidas de duas personalidades de grande prestígio no espectáculo e desporto da antiga Rússia: o lutador Ivan Poddoubni e o clown Anatoli Dourov, o primeiro alcançando o título mundial da sua modalidade e o segundo tornado um dos mais famosos clown da história do circo.

HE WHO GET SLAPPED (O Palhaço) de Victor Sjöström - 03.10.2003


(...) He Who Gets Slapped é um filme que não tem muitos paralelos possíveis na história do cinema. Lembramo-nos de Lola Montes, lembramo-nos de Face a Face de Bergman, lembramo-nos de O Anjo Azul de Sternberg, lembramo-nos de Os Clowns de Fellini, lembramo-nos de Salò de Pasolini, mas o registo é muito diverso dessas obras. Nunca, talvez, a irrisão humana se tenha expresso tão poderosamente como naquele plano em que, através da máscara do palhaço, os olhos de "Ele" revivem para o Barão, a identidade que "Ele" perdeu e só nessa hora - a da suprema vingança - volta a assumir. É quando "Ele" se torna "Eu" que a fera se liberta para desfazer tudo e todos, como se esse manjar macabro fosse a única expressão possível ao ódio acumulado por uma experiência de sofrimento para lá de todos os limites.(...)
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo Temps d'Images 2003

FREAKS (A Parada dos Monstros) de Tod Browning - 30.09.2003

THE UNKNOWN (O Homem sem Braços) de Tod Browning - 30.09.2003

LOUIS LUMIÈRE de Eric Rohmer - 04.10.2003

segunda-feira, 22 de setembro de 2003

PASSION de Jean-Luc Godard - 01.10.2003

SCÉNARIO DU FILM "PASSION" de Jean-Luc Godard - 01.10.2003


 Não quis escrever o argumento de Passion, quis vê-lo. Eu penso que vemos em primeiro lugar o mundo, e depois escrevemos sobre ele e o mundo que Passion descreve, era preciso vê-lo antes, ver se ele existia para poder filmá-lo.
Jean-Luc Godard

MA FEMME CHAMADA BICHO de José Álvaro Morais - 04.10.2003

Uma aproximação à criatividade, paixão e vida comun dos pintores Szenes e Vieira da Silva.

PAINTERS PAINTING de Emile de Antonio - 03.10.2003

Painters Painting é um retrato colectivo de figuras lendárias que dinamizaram o tumultuoso palco da cena artística de Nova Iorque do pós-guerra, com Andy Warhol, Robert Rauschenberg, Jasper Johns, Willem de Kooning… pelo realizador de Point of Order, In the Year of the Pig, Mr. Hoover and I.

HUBERT ROBERT, A FORTUNATE LIFE de Alexander Sokurov - 03.10.2003


“…the ruins of villas or palaces, castles, bridges, ancient vaults appear one by one before my eyes, like dreams; ghostly landscapes with grey trees…"
Alexander Sokurov

HENRI MATISSE de François Campaux - 01.10.2003

Este ensaio da biografia e apresentação crítica de uma obra tornou-se um documento de arquivo extraordinário pela presença de Matisse a trabalhar. Devemos citar a sequência de ralenti, doravante célebre, onde se vê, com emoção, o nascer de um traço, o roçar de um pincel que hesita pousar depois a imediata soberania da linha. E ainda Matisse a fazer o retrato de um dos seus netos, Matisse a passear, com um caderno de esquissos na mão, Matisse a vigiar a colocação dos quadros. Enfim, á volta de dois quadros La blouse paysanne e uma natureza morta, as etapas sucessivas das telas até que a obra chegue à l’ art d’abréviation da versão definitiva.

JAIME de António Reis - 04.10.2003


(...) Jaime, um camponês beirão fora internado aos 38 anos no Hospital psiquiátrico Miguel Bombarda. Apesar do ambiente concentracionário do local, começou inesperada e sofregamente a escrever e a pintar aos 65 anos. Parte da sua vasta obra desapareceria. Mas o pouco que nos ficou revela-nos, graças aos cuidados de António Reis, um artista de primeiríssima água revelando um universo de grande beleza e intensidade, como se atravessasse toda a arte milenar, das grutas pré-históricas aos perfis suméricos, mas também expressões artísticas mais próximas como a arte bruta, o expressionismo, o fauvismo. Enfim, revela-nos uma vera e intuitiva sensibilidade como quem, no dizer de António Reis, "habitava o espaço de gruta, subterrâneo ou sideral, com nuvens onde viajavam e sofriam ‘‘100 homens dentro’’".(...)
Manuel Hermínio Monteiro
O Olhar de Ulisses III - Porto 2001
A Utopia do Real
in catálogo Temps d'Images 2003

UTAMARO O MEGURU GONIN NO ONNA (Cinco Mulheres à volta de Utamaro) de Kenji Mizoguchi - 01.10.2003


(...)Mizoguchi não elide a natureza das relações entre Utamaro e as suas cinco mulheres. Para além das duas que já falei, Yukie (“a escola chinesa: inexpressiva”), Oshin, a mulher mais carnal, e Okita, aquela que levou às últimas sequências, mortais e vitais, a ética e a estética de Utamaro, aquela que, na vida, foi tão ao fundo como Utamaro o foi na pintura. Sabemos que foi amante de todas. Mas a posse total só se dá, quando todas elas se transformam em pintura, quando a criação erótica se funde com a criação artística.
Neste sentido, mais do que sujeito deste filme sobre um pintor, a pintura é objecto deste filme. Porque só na pintura está “a essência da mulher”, “a beleza de todas as mulheres” e porque a finalidade de todos os acontecimentos e de todos os movimentos é a imagem fixa, a imagem pintada, por isso mesmo a imagem nunca representada. E a única mulher de que não conhecemos imagem captada – Okita – é a que inscreveu na sua ética a estética de Utamaro, reclamando-se do seu exemplo para o duplo crime que cometeu.
Desta situação objectiva e da objectividade da imagem fixa, da pintura do filme, decorre a variável estilística de Cinco Mulheres à Volta de Utamaro, como caso único na obra de Mizoguchi.
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo Temps d'Images 2003

domingo, 21 de setembro de 2003

THE END OF A LOVE AFFAIR de Pedro Costa - 27.09.2003 - 21h30


A man is standing by the window. As wafts of street noise downs, a song sets in and a woman’s tragic voice fills the empty space. The song is The End of a Love Affair of Billy Holiday and the agony of her real life resonates in it. The pain and agony of the song comes to transfer to the man and he flashes a smile like a ghost when the song reaches the line, “and the smile on my face isn’t really a smile at all.” That is an enigmatic moment from a perfect harmony between music and image.
Jeonju Internacional Film Festival 2010

Alguns ambientes apareceram sem esforço nas primeiras conversas: o Beckett e os seus guiões para televisão, "O Anjo Exterminador" do Buñuel, o Warhol e os planos sequência sem fim ou o inevitável mestre Chaplin. Mas a verdade é que não fazemos a mínima ideia do que vamos fazer. E, como magistralmente colocou o "nosso" João dos Santos: "se não sabemos porquê perguntar?". Em última análise, será esse o maior desafio: não chegar a saber, mesmo no fim, o que de facto fizemos. A única coisa que podemos adiantar de momento, assim, de repente, é que haverá um corpo, se possível em perigo, se possível em potência, a ser olhado por dentro.
João Fiadeiro- Pedro Costa - Julho, 2003

OHAYO (Bom Dia) de Yasujiro Ozu - 27.09.2003


(...) A “greve de palavras” acaba por funcionar como imposição para a compra da televisão e começara com um pretexto bastante pertinente: a banalidade de certas fórmulas de saudação, cuja verdadeira função elas ainda não apercebem (nem o espectador, que só a elas chega na belíssima cena final em que o par formado pelo professor e a irmã mais velha dos miúdos, conversa na estação enquanto esperam o comboio, frases feitas de lugares comuns que são a forma de estabelecer um laço afectivo e, por isso, carregados de sentido). (...)
Manuel Cintra Ferreira
Folhas da Cinemateca
in catálogo Temps d'Images 2003

FRENCH CANCAN de Jean Renoir - 27.09.2003


(…) Sabe-se que se trata de alguns episódios da vida de Zidler (Danglard), que criou o "Moulin-Rouge" no local do Cabaret de la Reine-Blanche. (…) Se Jean Renoir conseguiu evocar no ecrã, de uma maneira visualmente válida, uma certa época da pintura, tal nunca acontece por uma imitação exterior das suas características formais, mas sim por se colocar num determinado ponto de inspiração a partir do qual a sua direcção se ordena, espontânea e naturalmente, com um estilo concordante com essa pintura. (…) Mas French Cancan é para mim muito mais do que essa integração do estilo pictórico: o seu desenvolvimento no tempo. Ouso mesmo dizer que este filme é tão belo quanto um quadro de Renoir, mas um quadro com uma duração, um futuro interior. Esta afirmação sugere contradições que há que rectificar de imediato. Não sendo a verdadeira pintura, na sua essência, anedótica, e muito menos a de Renoir, o seu desenvolvimento temporal também não é dramático. A inestimável importância de French Cancan advém, na minha opinião, quase inteiramente dessa originalidade que lança, retrospectivamente, uma nova luz e, quiçá, explica completando-a, a evolução já bem desenhada em Le Carrosse. É certo que já louvámos outros filmes por terem sabido libertar-se das categorias dramáticas, mas isto para constatar a sua inspiração literária. Neste caso, trata-se de uma perspectiva estética totalmente diferente. Efectivamente, a pintura não é senão objectivamente intemporal. De facto, para quem a contempla, é um universo a descobrir, a explorar. Assim, o tempo é uma dimensão virtual do quadro. Mas, se esse quadro começar a viver, a sofrer metamorfoses que vão afectar tanto o seu equilíbrio plástico como o seu tema, vemos que esse tempo objectivo não substitui de modo algum o tempo subjectivo mas, pelo contrário, se junta a ele. E é essa a sensação que nos provoca o espectáculo de French Cancan, a de existir em dois tempos, o tempo objectivo dos acontecimentos e o tempo subjectivo da sua contemplação.
(…) É o impressionismo multiplicado pelo cinema.
André Bazin
Jean Renoir, ed.Champ Libre
in  catálogo Temps d'Images 2003

LA DIRECTION D'ACTEURS PAR JEAN RENOIR de Gisèle Braunberger - 27.09.2003

(...) Tinha visto Renoir dirigir a figuração de French Cancan. Era a primeira vez que via um realizador interessar-se pelo menor figurante, indicar a cada um o que tinha a fazer de específico. Normalmente, é o segundo ou  o terceiro assistente quem se ocupa dessas coisas. Resultado: a multidão dá a impressão de ser inerte, aqui ela vivia
Nessa altura eu própria era uma simples figurante. Mas a ideia de fazer um filme sobre este método nasceu aí. (…)
Gisèle Braunberger
entrevista de Claude Beylie
in L'Avant-Scène Cinéma nº251/252

OS CANIBAIS de Manoel de Oliveira - 26.09.2003


(...) Os Canibais é um filme que oscila entre a ópera (o início) e algo de indefinível que tem a ver com a ópera-bufa e o fantástico-horrífico; seja como for, algo de nunca visto. Oliveira encomendou a composição desta ópera – o filme é totalmente cantado – a João Paes (que dirigiu muito tempo a Ópera de Lisboa e a quem se deve a música da maior parte dos filmes de Oliveira) segundo um conto português do século XI, de Álvaro Carvalhal. Num prólogo muito buñueliano, o povo, amontoado por detrás de umas barreiras, aplaude a chegada, numas esplêndidas limusinas, daqueles aristocratas vaidosos enquanto o apresentador, cantando, nos avisa de que “esta história gosta de sangue azul, gosta da aristocracia” e que aqueles que tiverem de o ouvir deverão participar com ele na “peregrinação através da alta sociedade, aquela que canta em vez de falar” . Neste momento, o espectador, ligeiramente inquieto, que não sabe muito bem em que pé dançar, não pode ainda imaginar até que ponto a sua inquietação tem razão de ser.(...)
Alain Bergala
Cahiers du Cinéma, nº409, Junho de 1988
in catálogo Temps d'Images 2003

O ACTO DA PRIMAVERA de Manoel de Oliveira - 26.09.2003


(...) o fervor e o amadorismo dos “actores” transmontanos revela- se mais rigoroso e comovente do que qualquer encenação pseudo- realista. Oliveira conjuga as lições de Rosselini e de Bresson antes de eles as levarem até às últimas consequências – sem falar dos vindouros J.M. Straub e D. Huillet. A sua própria obra futura retomará todas as apostas fortes do Acto da Primavera: a prioridade à palavra, a íntegra ponderada, a musicalidade, a metaforização, a fidelidade – que não exclui a manipulação estilística – ao “real” e às suas matérias, a denuncia da presença da câmara, a reconstituição pessoal das imagens “canónicas”, o tema da fé enquanto objecto de questionamento, etc. Todavia, embora em cada filme de Oliveira eu descubra novas audácias e uma renovada inventividade formal, poucos me confrontaram com uma forma tão forte e inédita: O cinema litúrgico – é um ateu o autor destas linhas.(...)
Saguenail
O Olhar de Ulisses III - Porto 2001
A Utopia do Real
in catálogo Temps d'Images 2003

LES MAÎTRES FOUS de Jean Rouch - 26.09.2003

(...) Organizado em torno da figura esculpida em madeira do governador britânico (o pormenor das plumas, utilizadas pelo governador em pessoa na prsença dos trabalhadores e depois por estes repescada numa mimetização da mesma situação, é esclarecedor), o ritual Hauka é a repetição teatralizada das práticas militares dos colonialistas. André Bazin referiu-se a esta sequência como uma espécie de commedia dell'arte e, de facto, é o que parece. (...)
Maria João Madeira
Folhas da Cinemateca
in catálogo Temps d'Images 2003

THE GOLDEN COACH (A Comédia e a Vida) de Jean Renoir - 25.09.2003